"As liberalidades inoficiosas são redutíveis na medida necessária ao enchimento da legítima. Destina-se, pois, a redução a modificar uma situação jurídica pré-constituída que impede o herdeiro legitimário de obter a quota que lhe reserva a lei. Tal situação se configura em duas hipóteses: 1ª – quando, aberta a sucessão, os bens não bastam à constituição da legítima que, de pleno direito, pertence ao herdeiro; 2ª – quando, se bem que suficientes, foram objeto de disposições testamentárias inoficiosas. Verifica-se a primeira situação quando o autor da herança doou bens além do valor permitido. A segunda, quando pretere o legitimário, instituindo herdeiro universal pessoa estranha, ou esgotando os bens do seu patrimônio em legado, com sacrifício da legítima. Para eliminar os efeitos das liberalidades lesivas, concede a lei aos herdeiros legitimários, ou a seus sucessores, ação de redução, mediante a qual obtêm a reintegração de suas legítimas. Pressuposto precípuo dessa ação é a ofensa à legítima. Não se trata de lesão de preexistente direito subjetivo, visto que o direito do legitimário não existe antes de aberta a sucessão. Irrelevante se torna, em consequência, a averiguação do propósito de prejudicar. Apura-se objetivamente, bastando que se verifique o excesso, ou, por outras palavras, que a relação de valor entre o objeto da liberalidade e o monte não esteja respeitada. Sujeitos ativamente legitimados para a ação de redução, além do herdeiro necessário prejudicado, são as pessoas chamadas à sucessão por direito de representação, ou por direito de transmissão. Entre aqueles, não apenas os que sofrem desfalque em suas legítimas, senão, também, os preteridos. São passivamente legitimados todos os beneficiados com liberalidades inoficiosas, em atos inter vivos ou em disposições testamentárias, a título universal ou particular. Observe-se, com Köhler, que, para a configuração da ofensa à legítima, importa o resultado econômico do ato, não sua forma jurídica. O interesse de agir está in re ipso, somente se satisfazendo, como direito, com a sentença judicial. Objeto da ação é desfazer a ofensa à legítima e obter sua integração. Apresenta--se, portanto, como ação mista, que compreende o reconhecimento da ofensa e a condenação à restituição do bem, ou do seu valor. Sustentam, porém, alguns escritores a autonomia da ação de redução, distinguindo-a da ação de restituição. Em se tratando de herdeiro preterido, deve ser cumulada à de petição de herança. Obtida a redução, a consequência lógica é a restituição do bem integrante da disposição ofensiva. A obrigação de restituir é correlata ao direito do legitimário. Divergem os autores na determinação da natureza desse direito. Seria, para alguns, de propriedade, mas, se fosse, a restitutória seria reivindicatória, não se explicando como o legitimário pode reivindicar, como seus, os bens alienados em vida pelo de cujus. Seria, para outros, simples direito pessoal contra o donatário, mas semelhante construção não permitiria se alcançasse o fim tutelar da redução. O direito do legitimário a obter os bens é, enfim, segundo o entendimento mais razoável, de natureza sucessória, porquanto, como pondera Messineo, tornada ineficaz a ofensa à legítima, os bens reduzidos se consideram reintegrados no patrimônio do falecido, operando-se a vocação. Confirma-se esse entendimento na redução das disposições testamentárias. Indaga-se quem deve sofrer as consequências do inadimplemento da obrigação de restituir. Cumpre distinguir três hipóteses: 1 – o perecimento dos bens doados; 2 – sua alienação; 3 – a insolvência do responsável. Nos dois primeiros casos, a justa solução é responsabilizar o donatário, ou os seus sucessores, pela integração da legítima em dinheiro, até o valor dos bens. Sendo insolvente quem deva suportar o encargo da redução, a responsabilidade não passa aos que se acham colocados em seguida, conforme a ordem estabelecida. Tais regras são superiores à que manda deduzir, da massa hereditária, o valor da doação. A restituição não se estende aos frutos e benfeitorias, considerando-se o donatário possuidor de boa-fé até o dia em que for citado para responder aos termos da ação de redução. O herdeiro necessário pode pleitear a revogação das doações na parte em que prejudiquem a sua legítima, mas somente depois da morte do doador."
Fonte: Gomes, Orlando. Sucessões (pp. 63-65). Forense. Edição do Kindle.
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