"A curatela, a exemplo da tutela, é múnus público atribuído aos familiares de uma pessoa, geralmente maior, quando ela não tem como praticar diretamente os atos da vida civil, por insuficiente capacidade de discernimento ou mesmo impossibilidade física. Contextualiza-se no direito de família, em razão de sua natureza assistencialista, em que alguém é chamado a dar apoio a um parente. Os encargos associados à curatela imputam-se ao curador. São três as espécies de curatela.
Primeira, que se destina a designar o representante legal ou assistente de interditos. Estão sujeitos à curatela, nesse caso: a) aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir a vontade; b) os ébrios habituais e os viciados em tóxicos; c) os pródigos (CC, art. 1.767). Deles já tratei anteriormente (Cap. 7, subitem 3.2). Trata-se, sem dúvida, da hipótese mais relevante de curatela, sob o ponto de vista jurídico; embora nem sempre se revele a medida mais adequada à plena recuperação do interdito e sua integração na sociedade (Pereira, 2004:385/407).
O processo judicial que define os termos da curatela (chamado “interdição”) pode ser promovido pelos pais, cônjuge ou qualquer parente da pessoa que deve ser posta sob curatela ou, ainda, pela própria pessoa (CC, art. 1.768, I, II e IV). Também o tutor tem legitimidade para o pedido, quando o pupilo relativamente incapaz não puder, por qualquer razão, exprimir a vontade. É o caso de curatela de menor, em que o tutor deve ser substituído pelo curador, que passa a representá-lo. Como se recorda, o tutor do relativamente incapaz não o representa, mas apenas o assiste nos negócios jurídicos. Constatando que o pupilo, apesar de já ter feito 16 anos, não tem como exprimir a própria vontade, o tutor deve requerer a interdição dele. Finalmente, o Ministério Público está legitimado para requerer a interdição, desde que presentes um dos seguintes requisitos da lei: deficiência mental ou intelectual, inexistência de parente ou tutor legitimado, a omissão, menoridade ou incapacidade destes (CC, art. 1.769).
No processo judicial destinado a definir os termos da curatela, o juiz é obrigado a entrevistar pessoalmente o interditando. Será assistido, nesta entrevista, por equipe multidisciplinar (CC, art. 1.771). O Ministério Público, quando não for o autor da demanda, atuará como defensor do interditando. Sendo ele o autor, o juiz nomeará outra pessoa para a função de defensor (art. 1.770).
A lei fixa os critérios para a nomeação do curador. Inicialmente, fixa regra geral determinando ao juiz que leve em conta a vontade e preferências do interditando, a ausência de conflitos de interesse ou de influência indevida, bem como a proporcionalidade e a adequação às circunstâncias da pessoa (CC, art. 1.772, parágrafo único). A este parâmetro geral, adiciona certos critérios específicos. Assim, se o interditando é casado ou vive em união estável, o cônjuge ou convivente será o curador. Se ele não mantém vínculo de conjugalidade com ninguém, curador será o pai ou a mãe e, na falta dos dois, o descendente que se mostrar mais apto para o encargo, preferindo os de grau mais próximo aos remotos. Não havendo esses parentes, o juiz escolherá para ser curador pessoa idônea de sua confiança (art. 1.775). Se a curatela está sendo dada em razão de deficiência, o juiz poderá determinar o seu compartilhamento a mais de uma pessoa (art. 1.775-A).
Segunda, em que se dá curador ao nascituro, sempre que a mãe perder o poder familiar durante a gravidez, se o pai está morto ou também decaído desse poder. Sendo a mãe interdita, seu curador será também o do nascituro (CC, art. 1.779). Assim, se a viúva grávida, em razão dos atos irregulares praticados em relação a outro filho, perder o poder familiar, o ato se estende a toda a prole, incluindo o rebento que está por vir. Será nomeado tutor para os já nascidos e curador para o nascituro.
Terceira, quando o curatelado é pessoa enferma ou portadora de deficiência física. Mesmo não estando sujeita à interdição, pode encontrar-se numa situação em que não consegue expressar diretamente a vontade. É o caso de quem sofreu grave acidente de trânsito e está internado num hospital, inconsciente ou apenas imobilizado. Se tiver condições para tanto, o próprio interessado requererá ao juiz que nomeie o curador; caso contrário, parente ou órgão legitimado o fará por ele (CC, art. 1.780).
Dá-se curador ao interdito, ao nascituro (se os pais decaíram do poder familiar durante a gravidez) e ao enfermo ou portador de deficiência física.
O exercício da curatela segue as mesmas regras estabelecidas para o da tutela, feitas, no entanto, duas observações. Primeira, se o curador é casado em regime de comunhão universal de bens com o interdito, estará dispensado de prestação de contas, a menos que o juiz o determine (CC, art. 1.783). Sendo os dois titulares do mesmo patrimônio, a hipótese de alcance está afastada, não se justificando destarte a trabalheira das prestações de contas. Segunda, o curador deve observar os limites de suas atribuições fixadas na sentença que decretou a interdição (CC, art. 1.772). Tais limites, na hipótese de a interdição se fundar na prodigalidade do interdito, circunscrevem as funções do curador à de assisti-lo nos atos de empréstimo, empréstimo, transigência, quitação, alienação, instituição de hipoteca, litígio judicial e os demais que excedem os de mera administração (art. 1.782) (Cap. 7, subitem 3.2.1).
Não se confunde, por fim, a curatela com a curadoria. Aquela tem sentido permanente, e habilita o curador a cuidar de todos os negócios, bens e interesses da pessoa posta sob curatela. Já a curadoria é específica, de modo a habilitar-se o curador apenas a determinados atos. São exemplos de curadoria: a instituída pelo testador com o objetivo de subtrair da administração do tutor os bens legados a menor (CC, art. 1.733, § 2.º); a relacionada à herança jacente (art. 1.819); a atribuída ao filho, quando conflitarem os interesses dele com os dos pais, no exercício do poder familiar (CC, art. 1.692); a dada ao incapaz, se não tiver representante legal ou seus interesses colidirem com os destes, e ao réu preso revel ou ao revel citado por edital ou por hora certa, enquanto não constituído o advogado (CPC, art. 72, I e II) (Gonçalves, 2005:611)."
Fonte: Coelho, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil: família : sucessões, volume 5 (p. 217-219). Revista dos Tribunais. Edição do Kindle.
Dr. Paulo Ladeira é advogado especialista em direito da família e sucessões - ou seja, advogado de divórcio, ou advogado familiar - com atuação em São Paulo e São José dos Campos, formado na Universidade de São Paulo (USP), campus Largo São Francisco.
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