"O regime de bens para os companheiros, a partir do início da união estável, é o da comunhão parcial dos bens. Este é o regime legal supletivo, incidente sobre a união estável, quando os companheiros não tiverem adotado regime diferente, em contrato escrito. Configurado o início da união estável, o bem adquirido por qualquer dos companheiros ingressa automaticamente na comunhão, pouco importando em cuja titularidade esteja.
A opção do Código Civil de 2002 para o regime de comunhão parcial iguala, neste ponto, a união estável ao casamento. A legislação anterior não foi clara nessa direção, o que repercutiu nas flutuações da doutrina e da jurisprudência, que tenderam a continuar aplicando a Súmula 380 do STF. Após a Constituição, a Lei n. 8.971/1994 apenas tratou de alguns direitos sucessórios do companheiro, sem referência a regime de bens. A Lei n. 9.278/1996 estabeleceu, no art. 5º, a presunção legal de concurso dos companheiros na aquisição dos bens móveis e imóveis, com exceção dos bens adquiridos antes da união, aproximando-se do regime de comunhão parcial.
Aplicam-se à união estável, pois, todas as regras estabelecidas pelo Código Civil ao regime legal de comunhão parcial, atribuído ao casamento. Entram na comunhão todos os bens adquiridos após o início até à dissolução (separação de fato) da união estável, exceto os considerados particulares de cada companheiro. Os bens móveis presumem-se adquiridos durante a união, salvo prova em contrário. Ingressam na comunhão as dívidas inadimplidas contraídas em proveito da entidade familiar. Também ingressam na comunhão os valores correspondentes ao pagamento de parcelas de contratos de aquisição de bens mediante crédito ou financiamento, após o início da união estável. Para o STJ (REsp 1.349.788) também ingressam na comunhão os frutos dos bens adquiridos antes da constituição da união estável.
Não entram na comunhão os bens particulares, assim entendidos os que foram adquiridos antes da união, ou os que foram adquiridos após a união em virtude de doações ou de herança, ou os bens de uso pessoal, os instrumentos e equipamentos utilizados em atividade profissional, os salários e demais rendimentos de trabalho, bem como as pensões. Também não entram na comunhão os bens sub-rogados no lugar dos bens particulares, até o limite do valor da venda do bem anterior (por exemplo, se o companheiro vendeu um bem particular por 100 e adquiriu outro por 150, apenas entram na comunhão 50). Não entra na comunhão o passivo patrimonial de cada companheiro, como as dívidas anteriores à união e as dívidas posteriores provenientes de responsabilidade por danos causados a terceiros.
Em virtude da expressa adoção do regime de comunhão parcial, há presunção legal de comunhão dos bens adquiridos após o início da união, não sendo cabível a discussão que lavrou na legislação anterior acerca da necessidade da prova do esforço comum. A presunção legal é absoluta, juris et de jure. Neste sentido, o STJ (EREsp 736.627), que em outro julgado (REsp 1.173.931) excluiu da comunhão a valorização das quotas sociais de sociedade limitada, adquiridas antes do início da união estável, visto que essa valorização é decorrência de um fenômeno econômico que dispensa a comunhão de esforços do casal.
Qualquer alienação (venda, permuta, doação, dação em pagamento) de bem comum pelo companheiro depende de autorização expressa do outro; a falta de autorização enseja ao prejudicado direito e pretensão à anulação do ato e do respectivo registro público. Terceiros de boa-fé, prejudicados pela anulação, em virtude da omissão do estado civil de companheiro em união estável do alienante, tem contra este, além da pretensão de devolução do que pagou, pretensão à indenização por perdas e danos. Com orientação diversa, a 3ª Turma do STJ (REsp 1.424.275) negou provimento ao recurso especial interposto por uma mulher que buscava anular a alienação feita pelo ex-companheiro, sem o seu conhecimento, de um imóvel adquirido durante o período em que o casal vivia em regime de união estável, salvo se tivesse havido registro imobiliário de contrato de regime de bens dos companheiros; admitiu o tribunal, todavia, que, mesmo sem o registro, a companheira preterida poderá discutir em ação própria os prejuízos sofridos com a alienação do bem.
A proteção legal da comunhão é semelhante à derivada do casamento. Em caso de penhora de bem imóvel adquirido após o início da união estável em nome de um dos companheiros, pode o outro opor embargos de terceiros, para defender sua meação, que decorre de lei. A má-fé do companheiro não pode ser presumida, nem pode o direito do credor prevalecer sobre o direito de constituir união estável, que tem fundamento constitucional. Diferentemente, decidiu a 4ª Turma do STJ no REsp 1.299.866, ainda que reconhecendo a igualdade jurídica como entidades familiares do casamento e da união estável, mas admitindo que alguns tratamentos diferenciados são justificáveis. Desse modo, considerou que não é nula nem anulável a fiança prestada por fiador companheiro em união estável sem a outorga uxória do outro companheiro. No REsp 1.299.894, a mesma turma não considerou nula nem anulável a fiança prestada por fiador companheiro em união estável, sem a outorga uxória, mesmo que tenha havido a celebração de escritura pública entre os consortes, pois esta não é o ato constitutivo da união estável, “mas se presta apenas como prova relativa de uma união fática, que não se sabe ao certo quando começa nem quando termina”.
Os companheiros podem, antes ou após o início da união estável, estipular regime de bens diferente da comunhão parcial, adotando qualquer um dos previstos para os cônjuges, ou criando um próprio. O art. 1.725 do Código Civil faculta aos companheiros celebrarem contrato escrito para tal fim, mediante instrumento particular ou público. O contrato equivalente para o casamento é o pacto antenupcial, que apenas pode ser realizado antes da habilitação para aquele, exclusivamente por escritura pública. Não há exigibilidade legal para registro do contrato no registro imobiliário, para que o contrato possa ser válido e eficaz entre os companheiros; porém, para que o regime diferenciado possa valer perante terceiros, o registro é necessário em virtude da publicidade deste haurida. Se o contrato não for registrado – por exemplo, o que estipule o regime de separação total de bens –, os bens adquiridos após a união por um dos companheiros poderão ser penhorados em razão de dívidas do outro, porque serão presumidos comuns. Se o contrato não registrado puder ser oponível a terceiros, poderá servir de instrumento de fraude contra os credores.
O contrato para regular o regime de bens tem finalidade exclusivamente patrimonial, não podendo dispor sobre direitos pessoais dos companheiros ou destes em relação aos filhos. A união estável é ato-fato jurídico que independe da vontade das partes, razão por que não pode haver “contrato de união estável” que a constitua ou fixe seu início, mas “contrato de regime de bens de união estável”. Para os fins outros que não o de definição do regime de bens, o contrato é ineficaz, por contrariar o que é legalmente cogente.
O contrato de regime de bens na união estável, distinto do regime legal supletivo (comunhão parcial), importa ônus aos companheiros de prová-lo, pois não há registro público da união estável. Diferentemente, no casamento não há necessidade de provar a existência de pacto antenupcial, porque o regime de bens consta do registro do casamento, que tem a presunção de publicidade.
Sustenta-se que os companheiros podem atribuir ao contrato de regime de bens eficácia retroativa, em virtude do princípio de liberdade (neste sentido, Maria Berenice Dias, 2006, p. 158). Todavia, a retroação dos efeitos do contrato tem como limite a proteção dos interesses de terceiros de boa-fé. Por outro lado, é aplicável analogicamente a regra do art. 1.655 do Código Civil, relativamente ao pacto antenupcial, que declara nula cláusula que contrarie disposição absoluta de lei. No sentido da irretroatividade, decidiu o STJ (REsp 1.383.624).
Não se aplica à união estável o regime legal obrigatório de separação de bens, previsto no art. 1.641 do Código Civil, porque esta norma diz respeito exclusivamente ao casamento; aplicou o Tribunal a Súmula 377/STF, admitindo a comunhão dos bens adquiridos na constância da união estável, desde que comprovado o esforço comum. No mesmo sentido de aplicação da Súmula 377/STF, o Tribunal entendeu que o prêmio de loteria recebido pelo companheiro idoso, durante a união estável, deve ser objeto de meação entre o casal (REsp 1.689.152). Não nos parece sustentável o entendimento da aplicação do regime legal obrigatório à união estável, pois é cediço no direito brasileiro que norma restritiva de direitos não pode ter interpretação extensiva, além de que se aplica às entidades familiares o princípio da igualdade, guardadas suas diferenças, como bem decidiu o STF, na ADI 4.277/2011. Consequentemente, a pessoa com mais de 70 anos que ingressar em união estável submete-se igualmente ao regime legal supletivo da comunhão parcial dos bens adquiridos após sua constituição e não ao regime obrigatório de separação. A comunhão é por força de lei, sem necessidade de invocação da Súmula 377/STF.
No que respeita às questões intertemporais, se a união estável teve início anteriormente à entrada em vigor do Código Civil (11 de janeiro de 2003) a ela também se aplica o regime legal de comunhão parcial, salvo se os companheiros tiverem estipulado outra modalidade, em contrato específico, que é considerado ato jurídico perfeito, coberto pela garantia constitucional (art. 5º, XXXVI, da Constituição). Segundo orientação dominante no STF, não há direito adquirido a instituto jurídico, no que poderia ser qualificada a inalterabilidade dos critérios da Súmula 380 para o concubinato (aliás, muito próximos do regime de comunhão parcial, salvo quanto à presunção legal absoluta deste, de esforço comum para a aquisição dos bens).
Para o ajuizamento de ação que verse sobre imóveis do casal, de acordo com o art. 73, § 3º, do CPC, o companheiro necessita do consentimento do outro, salvo se o regime de bens fixado em contrato for o de separação total."
Lôbo, Paulo. Direito Civil: Famílias: Vol. 5 . Editora Saraiva. Edição do Kindle. Capítulo 9.4 do livro.
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