"Ao contrário do casamento que tem início em ato jurídico certo e público, a união estável, relação jurídica derivada de estado de fato, apresenta reais dificuldades em identificá-la. O termo inicial é importante tendo em vista que os deveres dos companheiros promanados de suas relações pessoais e patrimoniais dependem deles para sua exigibilidade. Desde quando há os deveres de lealdade e assistência? Desde quando os bens adquiridos por qualquer dos companheiros ingressaram na comunhão?
Como tudo que é levado à decisão judicial, a constituição da união estável, quando é objeto de controvérsia entre os companheiros, tem de ser comprovada segundo sua configuração objetiva. São irrelevantes as posições subjetivas dos companheiros (um alega, outro contradiz), pois o juiz aferirá se os requisitos objetivos da convivência pública, contínua e duradoura e de constituição de família ocorreram ou não no plano fático. Apesar das dificuldades, o modelo brasileiro é melhor que o de legislações estrangeiras, quando estas exigem a prova de um ato jurídico (contrato, escritura pública). O companheiro pode negar a existência da união estável, mas a confirmação fática, mediante os meios de provas mais amplos, afastará sua vontade.
A Lei n. 8.971/1994 exigia o prazo mínimo de cinco anos para que se caracterizasse a estabilidade e, consequentemente, tivesse início a relação jurídica de união estável. Mas ela também não resolvia o problema do início desse prazo antecedente, determinante do posterior início da união estável.
Na sistemática atual, a estabilidade não é pressuposto, cujo término determinaria o início da relação jurídica. Seu início, ainda que naturalmente aferido a posteriori, é concomitantemente o termo inicial da união estável. Mas como identificá-lo, especialmente quando foi antecedido de relação de namoro?
O início da união estável é o início da convivência dos companheiros. A dificuldade é reduzida quando se pode provar o começo da convivência sob o mesmo teto. São inúmeras as possibilidades de prova: a aquisição de imóvel para a moradia, a aquisição de móveis para guarnecerem a moradia, o contrato de aluguel do imóvel, o testemunho de vizinhos, de amigos, de colegas de trabalho, o pagamento de contas do casal, a correspondência recebida no endereço comum. O nascimento de filho pode ser posterior à convivência como pode ser a causa da convivência.
A data de eventual escritura pública de constituição de união estável ou a data nela consignada como de constituição podem ser contraditadas por outros meios de prova. Nesse sentido, o STJ (REsp 534.411) decidiu que sentença não poderia basear-se exclusivamente na data indicada em escritura pública, pois esta gera apenas presunção relativa de veracidade; no caso, o réu admitiu, na contestação e em depoimento pessoal, que a convivência começou em momento anterior e as testemunhas também assim confirmaram.
Ainda que se admita a prova exclusivamente testemunhal, esta deve ser coerente e precisa, capaz de servir de elemento de convicção para o juiz. Assim decidiu a Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, em caso de concessão de pensão por morte de suposto companheiro, que foi negada. Em audiência, ela declarou que trabalhava tomando conta dele, que já estava idoso (Proc. 20038320007772-8/PE).
Quando não houver convivência sob o mesmo teto, será importante identificar o tempo em que os companheiros passaram a se apresentar como se casados fossem perante suas relações sociais. São muito utilizadas as provas documentais do início da convivência, como correspondências, fotos e documentos de viagens, a assunção por um dos companheiros das despesas do outro.
A lei não exige que, para o início da união estável, o companheiro casado tenha antes obtido o divórcio, única hipótese de dissolução voluntária do casamento. Mas é necessário ao menos que esteja separado de fato de seu cônjuge. Assim, na hipótese de o relacionamento com o outro companheiro ter começado quando ainda havia convivência com o cônjuge, somente após a separação de fato se dá o início da união estável, pois antes configurava concubinato. Para o STJ (REsp 1.658.903), o reconhecimento judicial de união estável com pessoa casada não pode dispensar a citação do outro cônjuge.
O Código Civil não exige tempo determinado para se caracterizar a separação de fato da pessoa casada, para fins de constituição de união estável. O art. 1.830, que estabelece o prazo de dois anos da separação de fato, antes da morte do de cujus, dentro do qual ao cônjuge sobrevivente é reconhecido direito sucessório, em razão de suas finalidades específicas, não pode ser estendido, em sentido contrário, para alcançar o conceito de separação de fato para o fim de constituição de união estável, considerando-se tal o dia em que efetivamente o companheiro casado se separou de fato de seu cônjuge, produzindo-se todos os seus efeitos, inclusive a comunhão dos bens adquiridos por qualquer dos companheiros a partir dessa data."
Lôbo, Paulo. Direito Civil: Famílias: Vol. 5 . Editora Saraiva. Edição do Kindle. Capítulo 9.4 do livro.
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