"A vocação hereditária é disciplinada distinguindo os herdeiros em ordens, classes e graus. As ordens são compostas por classes de sucessores, que podem ou não concorrer na herança uns com os outros, havendo hierarquia entre as ordens. Os herdeiros dividem-se em classes conforme o parentesco, havendo, assim, a classe dos descendentes, dos ascendentes e dos colaterais, bem como conforme o vínculo conjugal ou de união estável, havendo a classe dos cônjuges ou dos companheiros. Na mesma classe de herdeiros, sendo eles parentes, a respectiva sucessão é disciplinada tendo em vista o grau de parentesco com o de cujus, ou seja, conforme a distância de geração entre o autor da herança e o chamado à sucessão. O Estado não integra a ordem de vocação hereditária, recebendo a herança vaga em virtude da ausência de sucessores legais ou testamentários.
Na classe dos descendentes, aqueles de grau mais próximo excluem os de grau mais remoto, salvo o direito de representação. Na classe dos ascendentes não há direito de representação, havendo sempre a exclusão do grau mais remoto pelo mais próximo. Na classe dos colaterais, limitada à linha transversal até o quarto grau, também há o direito de representação, sendo certo, no entanto, que nesta classe de sucessíveis a representação está circunscrita aos filhos de irmãos pré-mortos. O cônjuge ou companheiro pode ser chamado a suceder em concorrência com os descendentes e com os ascendentes, dividindo-se, assim, a herança.
A ordem de vocação hereditária é estabelecida de acordo com o disposto no artigo 1.829 do Código Civil. São chamados a suceder em primeiro lugar os descendentes em concorrência com o cônjuge ou com o companheiro sobrevivente, salvo se o regime de bens aplicável ao casamento ou à união estável for o da comunhão universal, o da separação obrigatória de bens ou o da comunhão parcial, quando o autor da herança não houver deixado bens particulares.
Se não houver descendentes, são chamados a suceder os ascendentes em concorrência com o cônjuge ou companheiro sobrevivente, independentemente do regime de bens. Já na ausência de ascendentes, o cônjuge ou o companheiro são herdeiros únicos, também independentemente do regime de bens. Se o falecido não tiver deixado cônjuge ou companheiro são chamados a suceder os colaterais até o quarto grau.
Vale registrar que a sucessão do companheiro não estava disciplinada no citado artigo 1.829, que consagra a ordem de vocação hereditária. Com efeito, o Código Civil é fruto de Projeto de Lei redigido da década de 70 do século passado, quando a união estável ainda não tinha adquirido o status constitucional de família. Recorda Zeno Veloso que, no Projeto do Código Civil aprovado com emendas em 1984, não havia qualquer dispositivo que regulasse a sucessão entre os companheiros. Quando tramitava no Senado Federal, o senador Nélson Carneiro apresentou emenda ao Projeto com o objetivo de suprir essa lacuna. Tal emenda tem data anterior à Constituição da República e, após a apreciação de seu texto pelo Senado Federal e pela Câmara dos Deputados, a sucessão dos companheiros restou regulada pelo artigo 1.790 do Código Civil4, em Capítulo referente às Disposições Gerais, do Título I da Sucessão em Geral, sendo certo que, evidentemente, as normas que regulam a sucessão dos companheiros não poderiam estar ao lado daquelas que estabelecem os princípios gerais do Direito Sucessório. Percebia-se, portanto, a má sistematização do legislador quanto à sucessão na união estável, que deveria estar devidamente regulada no Título II, pertinente à Sucessão Legítima, informada pelos vínculos familiares, no capítulo da ordem da vocação hereditária.
Por tal razão, o dispositivo em referência foi alvo de severas críticas. Na hierarquia que o aludido dispositivo estabelecia, eram chamados a suceder em primeiro lugar os descendentes em concorrência com o companheiro, em segundo lugar os ascendentes em concorrência com o companheiro; em terceiro lugar o companheiro em concorrência com os colaterais até o quarto grau e, por fim, na ausência de colaterais até o quarto grau, o companheiro como herdeiro único. Vale mencionar que o citado artigo 1.790 do Código Civil limitava a sucessão do companheiro aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, consoante o disposto em seu caput, e não fazia qualquer ressalva em relação às relações patrimoniais entre os companheiros, como ocorre com o cônjuge.
O referido artigo 1.790 do Código Civil foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, pelo reconhecimento de que, ao revogar as Leis nº 8.971/94 e 9.278/96, que equiparavam os regimes jurídicos sucessórios do casamento e da união estável, e discriminar o companheiro, dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos ao cônjuge, entrou em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente, e da vedação do retrocesso. Nessa direção, a Corte Constitucional afirmou em repercussão geral a seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no artigo 1.829 do CC/2002”.
O artigo 2.041 das Disposições Finais e Transitórias do Código Civil determina que suas disposições relativas à ordem de vocação hereditária não se aplicam às sucessões abertas antes de sua vigência, na esteira do que dispõe o 1.787 do mesmo diploma legal.
Na vigência da legislação anterior, a ordem de vocação hereditária estava prevista no artigo 1.603 do Código Civil de 1916, que convocava à herança em primeiro lugar os descendentes, em segundo lugar os ascendentes, em terceiro lugar o cônjuge, em quarto lugar os colaterais até o quarto grau, incluindo, ainda, no referido dispositivo legal, o Estado em quinto lugar. Ainda conforme a legislação anterior, os herdeiros necessários eram os descendentes e os ascendentes, cabendo ao cônjuge o usufruto vidual de parte dos bens da herança conforme concorresse com os descendentes ou ascendentes do de cujus, se o regime de bens fosse diverso da comunhão universal, e sendo o casamento regido por tal regime, ao cônjuge caberia o direito real de habitação quanto ao único imóvel residencial do monte a inventariar, destinado à residência da família (CC1916, arts. 1.611, §§ 1º e 2º,1.721 e 1.725). A sucessão na união estável era regulada tal como no casamento, nas Leis 8.971/94 e 9.278/96."
Fonte: Tepedino, Gustavo; Nevares, Ana Luiza Maia; Meireles, Rose Melo Vencelau. Fundamentos do Direito Civil (pp. 132-136). Forense. Edição do Kindle.
Dr. Paulo Ladeira: o melhor advogado de família.
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