"Muito embora o testamento vital muito difira dos testamentos enumerados nesta sede, uma vez que tem por finalidade produzir efeitos em vida do agente, vale aqui discorrer sobre o referido instituto.
O testamento denominado vital, biológico e, ainda, como diretivas antecipadas de vida ou de vontade tem por finalidade estabelecer disposições sobre cuidados, tratamentos e procedimentos de saúde aos quais o agente deseja se submeter, consistindo numa antecipação de vontade, já que tem por escopo produzir efeitos quando aquele que dispôs não mais puder exprimir de forma válida sua vontade.
No Brasil, não há legislação que regule o tema, havendo apenas normas deontológicas no âmbito da Medicina. Assim, a Resolução 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina define as diretivas antecipadas de vontade “como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade”. Segundo a referida Resolução, nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade, bem como as orientações que sejam apresentadas por um procurador de saúde especialmente designado pelo paciente para esse fim, consignado que as diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares. O mesmo reconhecimento da eficácia das diretivas antecipadas de vontade é encontrado no Código de Ética Médica, no parágrafo único de seu artigo 41, quando dispõe que nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis, sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal, sendo certo que, consoante o caput do aludido dispositivo, é vedado ao médico abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.
Assim, na esteira das ponderações de Luciana Dadalto, “disposições que sejam contra o ordenamento jurídico, como o pedido de eutanásia, de suicídio assistido e a recusa de cuidados paliativos devem ser tidas por não escritas, cabendo à família, às instituições e aos profissionais de saúde cumprirem apenas os pedidos que forem lícitos”.
Trata-se, assim, de um documento de saúde, sendo as disposições de natureza patrimonial, como aquelas relativas à administração dos bens da pessoa enquanto incapaz de fazê-lo, entendidas como recomendações ao juiz na hipótese de decretação de sua curatela.
Na falta de regulamentação legal da matéria, podem realizar testamento vital aqueles que tenham pleno discernimento para tanto, sendo certo que, para pessoas com deficiência, a curatela apenas afetará os atos de natureza patrimonial e negocial (Lei 13.146/15, art. 85). Dessa forma, ainda que a pessoa seja portadora de deficiência, se compreender o ato, não terá nenhum impedimento para fazê-lo.
Sobre a sua forma, mais uma vez, o Brasil carece de legislação específica, recomendando-se que dito documento seja lavrado por escritura pública ou escrito particular com a presença de duas testemunhas, sem prejuízo do que dispõe o art. 2º, § 4º, da Resolução 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina, que prevê que o médico registrará, no prontuário do paciente, as diretivas antecipadas de vontade que lhes forem diretamente comunicadas."
Fonte: Tepedino, Gustavo; Nevares, Ana Luiza Maia; Meireles, Rose Melo Vencelau. Fundamentos do Direito Civil (pp. 282-284). Forense. Edição do Kindle.
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