Casamento contraído quando pelo menos um dos nubentes é maior de 70 anos explicado por um advogado familiar.
"Essa disposição não se justifica, em face da incoerência axiológica da restrição imposta pelo dispositivo aos maiores de 70 anos. De fato, o dispositivo legal estabelece injustificada restrição à liberdade pessoal do septuagenário, submetendo-o a verdadeira interdição compulsória, como se ele não tivesse capacidade para escolher os rumos patrimoniais da sua relação amorosa, em desapreço ao princípio da igualdade positivado no art. 5º, caput, da Carta Constitucional. Daí a crítica veemente da doutrina desde a promulgação do Código Civil. Quando da entrada em vigor do Código Civil, a idade era de 60 anos. Diante das objeções antepostas ao art. 1.641, II, do Código Civil, o legislador alterou o dispositivo, elevando para 70 anos a idade para o regime de separação obrigatória, por meio da Lei 12.344/2010. Não se afastou, contudo, a suspeita de inconstitucionalidade do preceito, mantendo-se a injustificada restrição à liberdade existencial dos idosos. De fato, como já se disse no capítulo 1, no âmbito da família, a imposição de regras heterônomas faz sentido quanto há alguma vulnerabilidade, de modo que a solidariedade familiar reclama a intervenção estatal reequilibradora. Não parece ser esse o caso. A tentativa, entretanto, por parte do Judiciário, mediante nova intervenção heterônoma, de contornar a restrição à liberdade contratual do idoso, acabou por agravar o problema, com a Súmula 377 do STF, que determina a comunicação de aquestos no âmbito do regime de separação legal. Vale dizer, há que se afastar a injustificada restrição ao regime obrigatório da separação imposta ao idoso, para que ele possa pactuar diversamente, desde que, ao mesmo tempo, se admita a validade e eficácia dos pactos antenupciais que estabeleçam a separação de bens. Mostra-se incompleta, portanto, a crítica, dirigida à dicção do art. 1.641, II, Código Civil, sem que se proponha, ao mesmo tempo, a legitimidade do regime de separação convencional entre os idosos, com o afastamento da Súmula 377, especialmente diante do sistema sucessório atual, que impõe a sucessão entre os cônjuges, em concorrência com os descendentes, mesmo no regime de separação convencional de bens (art. 1.829, I). Tal regime sucessório impede a liberdade entre idosos para a construção de relação conjugal que possa atenuar (e não aguçar) tensões patrimoniais suscitadas pelo potencial concurso sucessório com descendentes provenientes de relacionamentos anteriores de cada um dos cônjuges. Sobre o tema, ainda na vigência do Código Civil de 1916, destaque-se o entendimento jurisprudencial capitaneado pelo então Desembargador Cezar Peluso, no sentido da perda de validade do preceito com o advento da Constituição de 1988: “o disposto no art. 258, parágrafo único, II, do Código Civil, refletindo concepções apenas inteligíveis no quadro de referências sociais doutra época, não foi recepcionado, quando menos, pela atual Constituição da República, e, portanto, já não vigendo, não incide nos fatos da causa. É que seu sentido emergente, o de que varão sexagenário e mulher quinquagenária não têm liberdade jurídica para dispor acerca do patrimônio mediante escolha do regime matrimonial de bens, descansa num pressuposto extrajurídico óbvio, de todo em todo incompatível com as representações dominantes da pessoa humana e com as consequentes exigências éticas de respeito à sua dignidade, à medida que, por via de autêntica ficção jurídico-normativa, os reputa a ambos, homem e mulher, na situação típica de matrimônio, com base em critério arbitrário e indução falsa, absolutamente incapazes para definirem relações patrimoniais do seu estado de família”."
Fonte: Tepedino, Gustavo; Teixeira, Ana Carolina Brochado. Fundamentos do Direito Civil - Direito de Família - Vol. 6 (pp. 193-195). Forense. Edição do Kindle.
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