"Ao contrário do Código Civil de 1916, o Código Civil de 2002 não previu dispositivo legal específico quanto às testemunhas do testamento. De fato, o diploma civil de 1916 dispunha que não podiam ser testemunhas instrumentárias testamentárias os menores de dezesseis anos, os loucos de todo gênero, os surdos mudos e os cegos, o herdeiro instituído, seus ascendentes e descendentes, irmãos e cônjuge, bem como os legatários (CC16, art. 1.650).
Diante da ausência de dispositivo específico, invoca-se a aplicação do disposto na parte geral do Código quanto às testemunhas, com as devidas adaptações hermenêuticas para o ato testamentário. Isso porque a testemunha no testamento tem a função de zelar pela espontaneidade e higidez do testador e, para tanto, devem ter condições de acompanhar plenamente todo o ato testamentário.
Nessa direção, não poderão ser admitidas como testemunhas do ato de última vontade, na linha do que dispõe o art. 228 do Código Civil, os menores de dezesseis anos, o interessado nas disposições testamentárias, o amigo íntimo ou o inimigo do testador ou dos nomeados no testamento, os herdeiros, legatários, testamenteiros, tutores, curadores de maiores com deficiência ou curadores especiais indicados para administração de bens de menores, bem como os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro grau do testador ou dos nomeados no testamento, por consanguinidade, ou afinidade.
Assiste razão à Caio Mário da Silva Pereira, à luz das considerações do atualizador de sua obra, Carlos Roberto Barbosa Moreira, que a aplicação do citado art. 228 à questão traz resultados insatisfatórios. Isso porque o aludido dispositivo se refere a testemunhas que depõem em juízo e não a testemunhas instrumentárias para testamento. A solução para a questão estaria em parte no disposto no art. 1.801, II, do Código Civil, que proíbe que as testemunhas do testamento sejam nomeadas herdeiras ou legatárias. Dessa forma, não haveria qualquer impedimento para que amigos íntimos, inimigos ou parentes do testador atuem como testemunhas do ato de última vontade, desde que não tenham qualquer relação com suas disposições. Realmente, na prática da lavratura de testamentos é muito comum que o disponente queira a presença de amigos ou pessoas de confiança, em virtude da natureza do ato. Quanto à pessoa com deficiência, na forma do disposto no § 2º do art. 228, estas poderão testemunhar na medida em que possuam condições de cumprir a sua função, qual seja, zelar pela espontaneidade e higidez do testador. Nessa direção, uma pessoa cega ou surda, não poderá ser testemunha instrumentária testamentária, porque suas características pessoais lhe impedem de acompanhar o ato em toda a sua plenitude.
Dessa forma, na abordagem da questão e na falta de um dispositivo específico, deve-se priorizar uma interpretação mais flexível do que aquela que se extraí apenas do citado art. 228 do Código Civil, devendo o intérprete se basear no fato de que as testemunhas não podem ter interesse de qualquer espécie nas disposições de última vontade e, ainda, que não podem ser portadoras de características que as impeçam de exercer plenamente sua função."
Fonte: Tepedino, Gustavo; Nevares, Ana Luiza Maia; Meireles, Rose Melo Vencelau. Fundamentos do Direito Civil (pp. 278-280). Forense. Edição do Kindle.
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