"De acordo com o sistema instituído pela Lei n. 13.058, de 2014, guarda unilateral ou guarda exclusiva, que era a regra no direito anterior, ficou restrita às seguintes hipóteses: (1) quando um dos genitores não desejar a guarda do filho; ou (2) em atenção a necessidades específicas do filho; ou (3) quando o juiz se convencer que ambos os pais não oferecem condições morais ou psicológicas para terem o filho consigo. Nesta última hipótese, o juiz deferirá a guarda a terceira pessoa, considerando grau de parentesco e relações de afinidade e afetividade com a criança ou o adolescente.
A guarda exclusiva era consequência do sistema que privilegiava os interesses dos pais em conflito e da investigação da culpa pela separação. A guarda era atribuída ao que comprovasse ser inocente, ainda que não fosse o que preenchesse as melhores condições para exercê-la. Com o advento do princípio do superior interesse da criança ou da prioridade absoluta desta, tutelado na Constituição, na Convenção Internacional dos Direitos da Criança e no ECA, pouco importa a culpa para efeito da guarda do filho. O Código Civil, nessa linha evolutiva, extirpou de vez a injusta relação entre direito à convivência e culpa pela separação, revogando a norma contida no art. 10 da Lei n. 6.515/77, que atribuía a guarda dos filhos ao cônjuge que não tivesse dado causa à separação judicial.
Na hipótese de atenção às necessidades especiais do filho, o juiz determinará a guarda unilateral ao genitor que revele melhores condições para exercê-la. Melhores condições, para os fins legais, não se confunde necessariamente com melhores situações financeiras. O juiz levará em conta o conjunto de fatores que apontem para a escolha do genitor cujas situações existenciais sejam mais adequadas para o desenvolvimento moral, educacional, psicológico do filho, dadas as circunstâncias afetivas, sociais e econômicas de cada um. Nenhum fator é aprioristicamente decisivo para determinar a escolha, mas certamente consulta o melhor interesse interesse do filho menor a permanência com o genitor que lhe assegure a manutenção de seu cotidiano e de sua estrutura atual de vida, em relação aos meios de convivência familiar, social, de seus laços de amizade e de acesso ao lazer. Fator relevante deve ser o de menor impacto emocional ou afetivo sobre o filho, para essa delicada escolha.
A lei (CC, art. 1.583) indica os seguintes fatores de melhor aptidão para a atribuição da guarda unilateral a um dos pais: afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; saúde e segurança; educação. Essa enunciação não é taxativa, nem segue ordem de preferência. Não há exigência legal de estarem conjugados; pode o juiz, ante a situação concreta, decidir que um deles prefere aos demais. São elementos de ponderação para o juiz, na apreciação de cada caso em concreto. A comprovação da ocorrência deles deve ser feita com o auxílio de equipes multidisciplinares, pois as relações reais de afeto dificilmente podem ser aferidas em audiência. Quando os pais nunca tenham vivido sob o mesmo teto, presume-se que tenha havido maior intensidade de afeto entre a criança e aquele com quem teve maior convivência, até porque configura sua referência de lar ou casa.
A lei, acertadamente, privilegia a preservação da convivência do filho com seu “grupo familiar”, que deve ser entendido como o conjunto de pessoas que ele concebe como sua família, constituído de parentes ou não. O juiz não mais pode escolher entre o pai ou a mãe, apenas. Deve preferir quem, por temperamento e conduta, possa melhor assegurar a permanência da convivência do filho com seus familiares paternos e maternos. A experiência demonstra que, muitas vezes, quem fica com a guarda exclusiva estende sua rejeição não apenas ao outro, mas aos parentes deste, impedindo ou dificultando o contato do filho com eles, convertendo-se em verdadeira alienação parental de todo o grupo familiar.
Os fatores saúde, segurança e educação não são aferidos a partir das condições financeiras de cada um dos genitores. O que interessa é a identificação do genitor que apresenta melhor aptidão, no que concerne ao cuidado que demonstra com sua efetivação cotidiana e o real compromisso para realizá-los. Até porque a fixação dos alimentos devidos pelo outro genitor suprirá a eventual deficiência financeira do que for escolhido para a guarda unilateral, por ser considerado o mais apto. A criança ou o adolescente são pessoas em formação física e mental, para o que deve ser observado o melhor ambiente familiar, como base de sustentação para os cuidados com a saúde, a segurança e a educação do filho. Para a realização desses fatores também é importante o grupo familiar a que pertence o genitor que pretende ter a guarda do filho. Saúde não é apenas a curativa, mas, principalmente, a preventiva, com atenção a higiene e a hábitos saudáveis de alimentação e desenvolvimento físico. A segurança diz respeito à integridade física, à liberdade de ir e vir, ao acompanhamento das relações sociais do filho de modo a evitar os riscos com más companhias, ao acompanhamento do desenvolvimento moral. Por fim, a educação inclui a formação escolar e a formação moral, espiritual, artística e esportista. Evidentemente, que tudo há de ser dosado de acordo com os rendimentos dos genitores, pois o ponto ótimo nem sempre é possível de ser atingido.
A opção preferencial pela mãe nem sempre resulta no melhor interesse da criança. As mudanças socioeconômicas havidas nas famílias, notadamente da emancipação feminina com sua crescente inserção no mercado de trabalho, provocaram estreitamento das diferenças culturais entre os gêneros, que relegavam à mulher papéis distintos aos dos homens; para elas o mundo privado, para eles o mundo público, incluindo o de provedor. A preferência para a mãe, persistente no inconsciente coletivo, com reflexos nas decisões judiciais, além de violar o princípio da igualdade previsto no § 5º do art. 226 da Constituição, constitui resquício dessa tradicional divisão de papéis, que desmerece a dignidade da mulher. O STF decidiu, em caso de homologação de sentença estrangeira, que inexiste, no Brasil, princípio de ordem pública que vede que a guarda de uma criança seja dada ao pai; a decisão estrangeira decretou o divórcio e determinou que a filha do casal (americano e brasileira) ficasse sob a guarda do pai, residente nos EUA, subordinando o direito de visitas da mãe, residente no Brasil, à supervisão das autoridades tutelares brasileiras (SEC 5.041-3). Também nesse sentido, decidiu o Tribunal de Justiça de Goiás em atribuir a guarda ao pai, pois a criança recebia além dele os cuidados dos avós paternos, enquanto a mãe não tinha condições de criá-la, em virtude de trabalhar fora durante todo dia, deixando-a aos cuidados de terceiros (Ap. 98.719-1/188-200601505551).
Decidiu o STJ (REsp 1.654.111) que o abuso de ingestão de bebida alcoólica na presença dos filhos inviabilizava a guarda compartilhada. Decidiu-se pela guarda unilateral, que atenderia com mais segurança ao princípio do melhor interesse das crianças.
O fato de um dos pais dedicar mais tempo à sua atividade profissional que o outro também não pode ser decisivo para a escolha. Basta demonstrar que sua menor disponibilidade de tempo não afeta o desenvolvimento e a formação do filho, nem a intensidade de seu afeto e que dispõe de meios para seu acompanhamento em harmonia com suas obrigações de trabalho. O genitor pode ser fisicamente presente e afetivamente ausente.
A defesa do melhor interesse da criança, no entanto, pode, por vezes, ser equivocadamente confundida com preconceituoso juízo sobre a conduta da mulher, interditando-lhe a guarda, como na hipótese de adultério, como adverte Rosana Fachin (2005, p. 124). Com efeito, a conduta sexual da mulher não é, necessariamente, determinante de sua conduta como mãe. Decisões que tais desconhecem que a fonte mais remota do princípio do melhor interesse foi uma decisão da Corte de Pensilvânia de 1813, que concedeu a guarda de uma criança à mãe, acusada de adultério, já que essa era a que melhor o contemplava, dadas as circunstâncias.
O conjunto de fatores, portanto, deve ter por finalidade a investigação do melhor interesse do filho. Todavia, os especialistas têm alertado para que não se envolva a criança nessa difícil escolha afetiva, ainda que lhe assegure o direito de ser ouvida. Não é recomendável que o juiz a consulte sobre sua opção, pois lhe acarreta sentimentos contraditórios e riscos de conflito psíquico, com afirmações equívocas, pois, afinal, deseja permanecer com ambos os pais. Deve o juiz valer-se da assessoria de equipes multidisciplinares que possam fornecer-lhe elementos mais seguros para decisão.
Em situações excepcionais, o juiz pode deferir a guarda à outra pessoa quando concluir que a criança não deve permanecer com seus pais. Exemplo, infelizmente ocorrente, é de pais viciados em drogas, sem ocupação regular, com práticas de violência contra os filhos. O § 5º do art. 1.584 do Código Civil oferece alguns elementos para decisão judicial, especialmente o grau de parentesco e relação de afinidade e afetividade, que também devem ser observados na dissolução da união estável. Certamente o parente mais próximo presume-se mais indicado para assumir a responsabilidade pela guarda exclusiva, mas suas condições e aptidão haverão de ser confirmadas, podendo-se chegar à conclusão de que o mais distante deve ser o escolhido. Afinidade, para o fim de guarda exclusiva, não significa parentesco afim (o que se instaura com os parentes do outro cônjuge), mas inclinação e aptidão para cuidar e conviver com criança. Afetividade é a demonstração de relação de afeto que efetivamente existe entre a criança e a pessoa que assumirá a guarda. A afetividade deve gozar de preferência até mesmo em relação ao parente próximo. Um tio pode ter mais aptidão e afeição para cuidar da criança do que o avô. O padrasto ou a madrasta (são parentes por afinidade de seus enteados) pode apresentar melhores condições afetivas que um parente consanguíneo próximo."
Lôbo, Paulo. Direito Civil: Famílias: Vol. 5 . Editora Saraiva. Edição do Kindle. Capítulo 10.4.
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