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Blog de um advogado especializado em família

"O legado é uma parte certa e determinada do monte, especialmente destacada do acervo hereditário para ser destinada a alguém por determinação do testador ou da lei. Trata-se de sucessão a título particular. Distingue-se, assim, da instituição de herdeiro, porque este é sucessor do de cujus a título universal, uma vez que é investido na universalidade das relações jurídicas que cabiam ao falecido, recolhendo a totalidade ou uma quota parte do patrimônio.


Desse modo, enquanto o herdeiro, sucessor a título universal, sucede na universalidade (universitas iuris) das relações patrimoniais do defunto, ou em uma fração aritmética desta, incluindo o ativo e o passivo a este correspondente, o legatário, ao revés, é sucessor de direito individualmente considerado, destacado do patrimônio e desvinculado, de consequência, das responsabilidades em relação ao respectivo passivo. Assim, em razão da natureza de sua delação, o legatário só responderá pelas dívidas da herança quando esta é insolvente, quando toda a herança é dividida em legados, ou quando o testador expressamente lhe determinou a obrigação de atender ao passivo hereditário.


A herança, caracterizando-se pela individualização de uma quota do patrimônio, é indefinida no seu valor e conteúdo. Já o legado, embora possa ser indeterminado no momento da abertura da sucessão, já se encontra definido no testamento ou na lei pelo seu valor, ou pelo seu objeto. Nessa direção, sendo o acervo de bens reduzido por dívidas, ou acrescido por créditos pertencentes ao de cujus, apenas sofrerão variações as quotas dos herdeiros instituídos no testamento. Os legados, ao contrário, permanecerão inalterados, pois representam uma unidade do monte individualizada, que se separa do patrimônio como um todo.


O legado, assim, pode consistir em uma universalidade, como acontece quando o testador lega a alguém a herança ou o conjunto de legados que recebeu por morte de outrem, uma biblioteca, o seu rebanho, a sua empresa, entre outras. Nesses casos, a universalidade referida, objeto do legado, restará especialmente destacada do patrimônio hereditário do autor da herança, para cumprimento do legado, e consistirá no que existir quanto à referida universalidade no momento da abertura da sucessão.


Tudo o que esteja no comércio e tenha valor patrimonial, sendo economicamente apreciável, pode ser objeto do legado. Nessa direção, o objeto da sucessão particular pode não necessariamente aumentar a fortuna do legatário, mas a sua concessão valer dinheiro, como o direito de podar as árvores de um prédio do testador que tiram a vista de um imóvel do legatário. A lei prevê regras próprias para as espécies de legados e seus pagamentos."


Fonte: Tepedino, Gustavo; Nevares, Ana Luiza Maia; Meireles, Rose Melo Vencelau. Fundamentos do Direito Civil (pp. 323-325). Forense. Edição do Kindle.

"Muito embora o testamento vital muito difira dos testamentos enumerados nesta sede, uma vez que tem por finalidade produzir efeitos em vida do agente, vale aqui discorrer sobre o referido instituto.


O testamento denominado vital, biológico e, ainda, como diretivas antecipadas de vida ou de vontade tem por finalidade estabelecer disposições sobre cuidados, tratamentos e procedimentos de saúde aos quais o agente deseja se submeter, consistindo numa antecipação de vontade, já que tem por escopo produzir efeitos quando aquele que dispôs não mais puder exprimir de forma válida sua vontade.


No Brasil, não há legislação que regule o tema, havendo apenas normas deontológicas no âmbito da Medicina. Assim, a Resolução 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina define as diretivas antecipadas de vontade “como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade”. Segundo a referida Resolução, nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade, bem como as orientações que sejam apresentadas por um procurador de saúde especialmente designado pelo paciente para esse fim, consignado que as diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares. O mesmo reconhecimento da eficácia das diretivas antecipadas de vontade é encontrado no Código de Ética Médica, no parágrafo único de seu artigo 41, quando dispõe que nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis, sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal, sendo certo que, consoante o caput do aludido dispositivo, é vedado ao médico abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.


Assim, na esteira das ponderações de Luciana Dadalto, “disposições que sejam contra o ordenamento jurídico, como o pedido de eutanásia, de suicídio assistido e a recusa de cuidados paliativos devem ser tidas por não escritas, cabendo à família, às instituições e aos profissionais de saúde cumprirem apenas os pedidos que forem lícitos”.


Trata-se, assim, de um documento de saúde, sendo as disposições de natureza patrimonial, como aquelas relativas à administração dos bens da pessoa enquanto incapaz de fazê-lo, entendidas como recomendações ao juiz na hipótese de decretação de sua curatela.


Na falta de regulamentação legal da matéria, podem realizar testamento vital aqueles que tenham pleno discernimento para tanto, sendo certo que, para pessoas com deficiência, a curatela apenas afetará os atos de natureza patrimonial e negocial (Lei 13.146/15, art. 85). Dessa forma, ainda que a pessoa seja portadora de deficiência, se compreender o ato, não terá nenhum impedimento para fazê-lo.


Sobre a sua forma, mais uma vez, o Brasil carece de legislação específica, recomendando-se que dito documento seja lavrado por escritura pública ou escrito particular com a presença de duas testemunhas, sem prejuízo do que dispõe o art. 2º, § 4º, da Resolução 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina, que prevê que o médico registrará, no prontuário do paciente, as diretivas antecipadas de vontade que lhes forem diretamente comunicadas."


Fonte: Tepedino, Gustavo; Nevares, Ana Luiza Maia; Meireles, Rose Melo Vencelau. Fundamentos do Direito Civil (pp. 282-284). Forense. Edição do Kindle.


"Ao contrário do Código Civil de 1916, o Código Civil de 2002 não previu dispositivo legal específico quanto às testemunhas do testamento. De fato, o diploma civil de 1916 dispunha que não podiam ser testemunhas instrumentárias testamentárias os menores de dezesseis anos, os loucos de todo gênero, os surdos mudos e os cegos, o herdeiro instituído, seus ascendentes e descendentes, irmãos e cônjuge, bem como os legatários (CC16, art. 1.650).


Diante da ausência de dispositivo específico, invoca-se a aplicação do disposto na parte geral do Código quanto às testemunhas, com as devidas adaptações hermenêuticas para o ato testamentário. Isso porque a testemunha no testamento tem a função de zelar pela espontaneidade e higidez do testador e, para tanto, devem ter condições de acompanhar plenamente todo o ato testamentário.


Nessa direção, não poderão ser admitidas como testemunhas do ato de última vontade, na linha do que dispõe o art. 228 do Código Civil, os menores de dezesseis anos, o interessado nas disposições testamentárias, o amigo íntimo ou o inimigo do testador ou dos nomeados no testamento, os herdeiros, legatários, testamenteiros, tutores, curadores de maiores com deficiência ou curadores especiais indicados para administração de bens de menores, bem como os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro grau do testador ou dos nomeados no testamento, por consanguinidade, ou afinidade.


Assiste razão à Caio Mário da Silva Pereira, à luz das considerações do atualizador de sua obra, Carlos Roberto Barbosa Moreira, que a aplicação do citado art. 228 à questão traz resultados insatisfatórios. Isso porque o aludido dispositivo se refere a testemunhas que depõem em juízo e não a testemunhas instrumentárias para testamento. A solução para a questão estaria em parte no disposto no art. 1.801, II, do Código Civil, que proíbe que as testemunhas do testamento sejam nomeadas herdeiras ou legatárias. Dessa forma, não haveria qualquer impedimento para que amigos íntimos, inimigos ou parentes do testador atuem como testemunhas do ato de última vontade, desde que não tenham qualquer relação com suas disposições. Realmente, na prática da lavratura de testamentos é muito comum que o disponente queira a presença de amigos ou pessoas de confiança, em virtude da natureza do ato. Quanto à pessoa com deficiência, na forma do disposto no § 2º do art. 228, estas poderão testemunhar na medida em que possuam condições de cumprir a sua função, qual seja, zelar pela espontaneidade e higidez do testador. Nessa direção, uma pessoa cega ou surda, não poderá ser testemunha instrumentária testamentária, porque suas características pessoais lhe impedem de acompanhar o ato em toda a sua plenitude.


Dessa forma, na abordagem da questão e na falta de um dispositivo específico, deve-se priorizar uma interpretação mais flexível do que aquela que se extraí apenas do citado art. 228 do Código Civil, devendo o intérprete se basear no fato de que as testemunhas não podem ter interesse de qualquer espécie nas disposições de última vontade e, ainda, que não podem ser portadoras de características que as impeçam de exercer plenamente sua função."


Fonte: Tepedino, Gustavo; Nevares, Ana Luiza Maia; Meireles, Rose Melo Vencelau. Fundamentos do Direito Civil (pp. 278-280). Forense. Edição do Kindle.

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